segunda-feira, 31 de julho de 2017

Um Crente Covarde e Pneu Furado - Crônicas Para Rir e Chorar - Juarez Azevedo

Um Crente Covarde e Pneu Furado - Crônicas Para Rir e Chorar - Juarez Azevedo



U  M       C  R  E  N  T  E       C  O  V  A  R  D  E

                        Já fazia oito anos que Menezes deixara o antigo município de També, na Paraíba, e rumara em direção ao Recife, onde fixara residência permanente, quando recebeu a notícia de que seu irmão mais velho, Fernandinho, fora transferido para a metrópole Pernambucana, como empregado que era da Rede Ferroviária Federal.
                       Menezes, apesar de afastado do També há tantos anos, jamais esquecera as raízes da família, os amigos, a família, a infância felíz e divertida nas fazendas, nas campinas e nos morros arredondados do município. Sua adaptação ao Recife - conta ele - foi uma verdadeira luta contra o meio, contra o rebuliço de uma cidade grande do nordeste, um centro industrial que crescia e se desenvolvia, cercado pelo mar e pela vastidão de uma região quente e semi-árida.
                     A principio, sem ter amigos nem conhecidos na sua nova cidade, Menezes se sentia só, isolado, sem companheiros para passeios e brincadeiras, vivendo numa casa sem conforto, com a mulher e duas filhas, e tirando o seu sustento de emprego de pequena remuneração, trabalhando o dia todo como operário de uma conhecida fábrica de tecidos. Um dia conheceu um crente chamado Sebastião Raimundo, que o evangelizou, falou-lhe de Cristo, de Seu amor, da Salvação e, numa série de conferências evangelísticas, Menezes deu o passo decisivo: Levantou a mão, decidiu-se e, dentro de pouco tempo, foi batizado e passou a ser um membro da Igreja, ativo e operante.



                    Quando recebeu a notícia da vinda de Fernandinho, Menezes já estava bem de vida. Crente há mais de três anos, entrosado na Igreja, a esposa e duas filhas crentes, ele subia de posição na fábrica e, com um ordenado mais condizente, passará a morar numa casa melhor, a apresentar-se bem vestido, com a família, e a ter um bom relacionamento com os seus irmãos, membros na igreja.
Agora, quando lhe perguntavam pela família lá de També, respondia com certo ar de orgulho:
- Minha família mesmo passou a ser a família de Deus. A família do crente são os outros crentes.
                    Ansioso pela chegada do irmão, Menezes vibrava de emoção e contentamento. E não escondia de ninguém:
- É Fernandinho chegando aqui e eu pregando-lhe o Evangelho. Os dias que ele ficar em casa, vai ouvir o Evangelho a toda hora.
                A irmã Rita, mulher de Menezes, não fazia por menos e instigava o marido:
- Tu sabes, Menezes, como é tua família; são todos inimigos dos crentes. Quero ver se tu és mesmo bom evangelista...
              Menezes não se intimidava e respondia:
- Tu vais ver, Ritinha, o que é ser bom em evangelismo pessoal.
               Dito e feito, Fernandinho não sossegou, azucrinado pelo Menezes que não o deixou em paz, nem um só minuto, sempre falando, repetidamente, aos ouvidos do irmão:
- Ou tu te arrependes dos teus pecados e te entregas a Jesus, ou tu irás para o inferno quando morrer.
                  Fernandinho não gostava da maneira inoportuna como era tratado pelo irmão, que mudara muito depois que saíra de També. Mas teria de aguentar tudo, até o dia em que viesse morar na sua própria casa, pois estava vivendo com Menezes de favor.

               De noite, Rita, mulher de Menezes, antes de dormir perguntava:
- Como é que vai a evangelização do teu irmão, hem?
              Menezes gaguejava:
- Vai... vai... bem...
              No outro dia, bem cedo, a primeira palavra de Menezes para o irmão era:
- Prepara-te para te encontrares com o Teu Deus. - E seguro, convicto, satisfeito e feliz; falava, orgulhoso, para o irmão: - Fernandinho, prepara-te. Faz como eu. Se eu morrer, agora mesmo vou para o céu!
               Fernandinho abaixava a cabeça e procurava evitar discussões com Menezes.
              No aniversário da Igreja, por muita insistência de Menezes, Fernandinho consentiu em ir ao culto solene. Era o fecho de uma série de conferências. Menezes orava e torcia pela conversão do irmão, mas nada, coração duro.
              De volta da Igreja, numa esquina pouco iluminada, de repente, ouviu-se a voz intimidadora de um assaltante noturno que, de arma em punho, ameaçava fuzilar a cabeça de Fernandinho, se não lhe fossem entregues o relógio e o dinheiro. Apavorado, sentindo o roçar terrível do cano de um revólver do qual poderia sair um tiro mortal, Fernandinho pediu clemência ao assaltante:
- Pelo amor de Deus, não me mate!
               De lado, Menezes olhava tudo, com o corpo todo tomado de um terror incontrolável.
- Vou te matar agora mesmo, infeliz, o dinheiro ou a vida!
               Sem nada para dar ao ladrão, Fernandinho apelou:
- Pelo amor de Deus, não me mate. - e acrescentou, patético:
- Por favor, se o Senhor vai me matar, em meu lugar mate ali o meu irmão Menezes, que é crente e se morrer vai hoje mesmo para o céu.
                 Apavorado, Menezes retrucou de pronto, olhando para o irmão com os olhos arregalados:
- Quem foi que te disse uma mentira dessa, linguarudo?
                 Não captei do meu informante como terminou o incidente. Mas contam que Menezes virou um crente mofino,calado, intropesctivo. Fernandinho, depois, passou a morar em casa própria. Um dia, Menezes recebeu a notícia de que Fernandinho se convertera em outra Igreja e foi visitá-lo para comemorar o evento. Foi um encontro feliz, alegre, reconfortante. Houve abraços demorados.                               Menezes, exultante de alegria, falou regozijando:
- Até que enfim, Fernandinho, você é um crente em Jesus Cristo!
                Fernandinho aproveitou a deixa e respondeu sem pestanejar:
- É verdade, meu irmão, agora sou um crente verdadeiro e fiz um voto, pedi a Jesus que jamais me deixe ser um crente covarde como você.


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P   N   E   U         F  U  R  A  D  O

                    Entro despreocupadamente em um táxi. O motorista, um senhor de cabelos grisalhos, olha demoradamente para mim, como se me tivesse reconhecendo por me ter visto em algum lugar.                      Depois, me vai narrando o que aconteceu com ele.
- Eu já lhe levei uma vez até a Igreja. Pois bem, logo após deixá-lo, o pneu do carro furou. Como eu estava naquele dia sem o macaco, fiquei esperando outro carro que me prestasse socorro. Do lado de fora da Igreja, ouvir os hinos, ouvir uma parte da pregação. Alguns dias depois, senti vontade de voltar à Igreja e, na noite de um domingo feliz, eu me converti. Hoje sou um crente, graças a Deus.     Isto já faz uns três anos, e agora, enquanto trabalho, aproveito para evangelizar os passageiros deste táxi.



                   Pronto, eis aí uma surpresa para mim. Outra lição que o Senhor me deu. Aquela alma que estava predisposta à  salvação, não poderia ter sido evangelizada por mim? Por que eu não apliquei naquele dia um dos métodos de evangelismo pessoal que venho estudando há tantos anos? A palavra do motorista falando-me da sua conversão ecoou dentro de mim como uma expressão de censura:
                "Você, Juarez, teve oportunidade de me evangelizar e não o fez. Deus permitiu que o carro tivesse o pneu furado, para que eu ouvisse a mensagem do Evangelho e me convertesse."
                 Felizmente o neo-convertido começou melhor do que eu, pois passou logo a evangelizar todos os que entram no seu carro. O porta-luvas estava cheio de folhetos. Aprendi uma lição.


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