terça-feira, 19 de setembro de 2017

"Zé Pequeno" e "Voto e Promessa" - Juarez Azevedo - Crônicas de Rir e Chorar

"Zé Pequeno" e "Voto e Promessa" - Crônicas de Rir e Chorar - Juarez Azevedo

" Z  É        P  E  Q  U  E  N  O " - Juarez Azevedo.

                              Ouviu o Evangelho pela primeira vez de um crente, frequentou por algum tempo uma denominação, por influência de pessoas, depois virou pentecostal, descambando para um fanatismo inconsequente de tal forma que, ás vezes os seus próprios irmãos de denominação o repreendem.
                              Zé Pequeno, como é conhecido no morro, é analfabeto, mas se mete a discutir Bíblia e religião com todo mundo. Não sabe tocar nada, mas anda com um violão embaixo do braço, e se encontra uma roda de pessoas conversando, pergunta logo:
- Tem alguém aí que toque violão?
- Se a resposta for positiva, ele pede:
- Tome aí o instrumento e me acompanhe.
                            E começa a cantar um hino meio desafinado, em alta voz e estridente. O tocador, em geral um descrente, puxa uns acordes, pega o tom e vai de qualquer jeito acompanhando o estranho solo de Zé Pequeno, o fanático.


                                        Como a grande parte dos moradores do Alto do Morro, Zé Pequeno é de uma pobreza franciscana. Solteirão que é, mora num casebre humilde com a mãe, uma mulher idosa, que quando pode lava umas roupinhas, de ganho, para não faltar o pão de cada dia.
A nova mania de Zé Pequeno agora é dizer que não adianta mais se preocupar com nada, porque Jesus vem breve e quem se preocupar com as coisas materiais não vai subir com Jesus.
            A mãe de Zé Pequeno reclama dos exageros do filho e, de pronto, ouve a resposta:
- Mãe, parece que não quer subir com Jesus, só vive reclamando da vida... Mãe, Jesus está voltando!
A mãe não se conforma e resmunga:
- Huumm!... Deixa de fanatismo, José, você deve se preocupar também é com as coisas de casa- e, apontando para a fechadura da porta, que está quebrada: - Vão findar é roubando o pouco que temos para comer.
- Mãe não tem fé mesmo não, já vi - responde Zé Pequeno. E acrescenta: - Mãe não vai subir quando Jesus vier, vive preocupada com fechadura e outras coisas materiais.
                         Entraram e roubaram alguns pertences de Zé Pequeno. Ele nem deu bola, preocupado apenas em subir, quando Jesus voltar. a mãe, porém, ficou revoltada, reclamando principalmente o desparecimento da lata de leite condensado, que lhe dava tanta vitamina.



                             A pobreza na casa de Zé Pequeno é muito grande. a velha mãe do zé Pequeno só tem mesmo duas mudas de roupa: Um vestido velhinho, estragado e todo remendado, e outro, menos velho, usado para sair aos domingos. Zé Pequeno insiste em levar a velha ao aniversário de sua Igreja, mas ela argumenta não querendo ir.
- Mas José, tu não tás vendo que o vestido de sair está molhado, ainda vai ser botado no sol para enxugar e não dá para sair com este vestido velho e rasgado?
- Taí - responde Zé Pequeno - mãe não vai subir mesmo não, quando Jesus voltar. Mãe só pensa nas vaidades da vida!
                            A mãe de Zé Pequeno não gosta de peixe. Não suporta nem o cheiro. Zé Pequeno insiste e consegue levá-la à casa de um Presbítero da sua Igreja para almoçar. Mal chegou á porta da casa do homem, a velha sente um cheiro de maresia e reclama:
- Vou-me embora, José, a comida aqui hoje é peixe, e peixe eu não como, de jeito nenhum!
                          Era peixe mesmo, e a velha fez de jeito de escapulir, quando o peixe ia sendo colocado sobre a mesa, em uma tigela rústica. Era um peixe de baixo preço, chamado Cangulo, um peixe de couro grosso e colorido. Dizem que o couro do Cangulo seco fica tão duro, que serve até para lixa.
- Aqui eu não como - disse a velha sem o menor acanhamento.
- Mas mãe - Pergunta Zé Pequeno - não vai comer o peixe? Meu Deus, mãe não quer mesmo subir com Jesus não. Ela não quer comer peixe! E, voltando-se para a mãe, que já se levantava para sair: - Mãe, lembre-se que Jesus comia peixe!
                           Aborrecida e contrariada, a velha nem deu mais atenção ao que Zé Pequeno falava. Abriu a porta e foi-se retirando. Do lado de fora, olhou para os que ficaram e exclamou, enfática e com muita afetação:
- Olha, José, Jesus podia comer qualquer qualidade de peixe, mas garanto que um danado de um Cangulo como esse aí Ele não comia nunca!
Virou-se e, apressada, foi subindo a vereda estreita, que leva ao cume do morro.




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V  O  T  O       E       P  R  O  M  E  S  S  A   -   Juarez Azevedo

                         Pregue a mensagem que Deus lhe der. Não se importe com o que possa acontecer. Se não tiver mensagem de Deus, o melhor é ficar calado. Seja claro nas afirmações. Nunca deixe os ouvintes em dúvida. são bons conselhos de pregadores experientes e cultos.
Sou um mero pregador, involuntariamente, ás vezes entro em dificuldades, sofro consequências. Foi o que aconteceu, lembro que preguei trinta minutos, tentando explicar, com detalhes, a diferença essencial entre voto e promessa.



                         A irmã hermínia foi uma das pessoas que não entenderam bem o espírito da minha mensagem. Uma coisa meio estranha, para mim, começou a acontecer depois do meu fraco sermão sobre voto e promessa: Hermínia começou a frequentar a minha casa toda quinta-feira, chegando invariavelmente na hora do almoço. Fazia a refeição conosco, descansava um pouco, e, depois retirava-se feliz, indo fazer outras visitas à pessoas de sua predileção.



                               Já havia se tornado um costume aceitável, cuja origem não sabíamos, a presença de Hermínia, uma vez por semana, na hora do almoço.
                             Uma quinta-feira, sem que soubéssemos a razão, até as 15 horas, Hermínia não havia chegado para o almoço.
- Será que adoeceu? - Ponderou alguém da família.
- Só se ela viajou para visitar parentes no interior. - Alguém concluiu.
                           No meio das diferentes ponderações, ouviu-se alguém bater fortemente à porta.
                   Era Hermínia, que por motivos que não explicou, esquecera a hora habitual do almoço. Entrou porta adentro e foi logo perguntando:
- Já almoçaram?
- Já! - Foi a resposta.








                              Mesa limpa, pratos lavados, mais de três horas da tarde, não era de se esperar àquela hora alguém para almoçar, mas perguntamos à Hermínia:
- Já almoçou?
- Não. - Respondeu ela.
- Quer comer alguma coisa?
- Quero, sim, e não posso deixar de almoçar  hoje aqui.
Estranhei o fato de ela dizer que não podia deixar de almoçar e, então, insisti:
- Por que, irmã? Algum motivo especial?
- Sim, irmão. - Respondeu Hermínia. E concluiu:
- É que eu fiz um voto ao Senhor, de almoçar na sua casa toda quinta-feira, e não quero nunca, como o Senhor pregou, quebrar um voto que eu fiz à Deus.
Olhei para a minha esposa, e rimos discretamente.
O prato de Hermínia foi cheio de comida. ela estava com muita fome e comeu apressada e avidamente. 
Outra vez, troquei olhares com minha esposa e falei decidido para Hermínia:
- Cumpra seu voto, irmã. Cumpra o voto que fez ao Senhor, bem direitinho. 
Ela cumpriu. Comeu o prato todo.


                           

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